quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Em defesa do direito de greve na pós-graduação

Matéria da Agência Brasil cita documento enviado pela Capes a programas de pós-graduação afirmando a continuidade de todo o calendário ‘como se não houvesse greve’, enquanto Capes e CNPq não se pronunciam oficialmente mesmo com seus servidores paralisados; a greve de professores de pós-graduação e dos pós-graduandos é parte da greve nas universidades públicas e precisa ser respeitada
 
No dia 2 de agosto, a Agência Brasil – portal de notícias da Empresa Brasil de Comunicação, órgão de comunicação estatal – publicou uma reportagem tratando da greve nas universidades e sua relação com as atividades de pós-graduação. Na reportagem, o professor André Lemos, da Escola de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e representante da área de Comunicação no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (agência de fomento ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), afirma que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) enviou ao seu programa de pós-graduação na UFBA um documento informando que não haverá qualquer alteração no calendário diante da greve.
 
Segundo a declaração do professor publicada na reportagem, o documento enviado pela Capes indica, assim, que “prazo de bolsas, editais, toda a burocracia das agências está mantida, como se não estivéssemos em greve”. A reportagem diz ainda que, segundo o professor, esse mesmo documento recebido pelo seu programa “deve ter circulado em outros programas de pós-graduação do país” e que, procurados pela reportagem, Capes e CNPq não se manifestaram sobre o tema.
 
Nós, que estamos construindo a greve das universidades federais também no âmbito das pós-graduações, por vários motivos recebemos com espanto essa notícia. Em primeiro lugar, pelo conteúdo do documento enviado pela Capes ao programa da UFBA citado pela reportagem: é inadmissível que o órgão ignore uma greve nacional com as proporções da atual mobilização e seus reflexos na pós-graduação. Diversos programas de pós-graduação em todo o país estão paralisados, e há greve estudantil de pós-graduandos em diferentes universidades do país. Além disso, agora, os próprios servidores das agências de fomento estão em greve reivindicando melhores condições de trabalho – mobilização à qual somos integralmente solidários , o que certamente afeta o seu funcionamento interno.
 
Mais do que isso: é impensável que a greve nas universidades, de maneira geral, não afete a pós e as atividades de pesquisa. Estudantes de graduação (segmento amplamente paralisado em todo o país) também pesquisam e nossas atividades são desenvolvidas, muitas vezes, conjuntamente. E o que falar dos professores e funcionários técnico-administrativos em greve? Laboratórios, bibliotecas, secretarias e outros espaços, também acadêmicos, estão paralisados, influenciando diretamente na dinâmica dos cursos de pós.
 
Em segundo lugar, nos espanta o fato de uma informação dessa relevância e seriedade estar circulando sem um posicionamento público e oficial da Capes. Trata-se de um tema de amplo interesse para a comunidade acadêmica e para a sociedade, e não podemos aceitar que um documento como esse seja enviado a um ou mais programas, divulgado por uma reportagem de um órgão estatal e, ao mesmo tempo, o órgão responsável pelo envio do documento se negue a um pronunciamento público sobre sua posição e o conteúdo do documento.
 
O fato de Capes e CNPq silenciarem, à comunidade acadêmica e à sociedade, sobre um tema tão importante se torna ainda mais grave diante do fato de que professores e estudantes já se dirigiram formalmente – e mais de uma vez – aos referidos órgãos reivindicando a revisão do calendário acadêmico, não tendo obtido qualquer resposta até o momento. O Comando Estadual de Greve dos Pós-Graduandos do Rio de Janeiro protocolou, no dia 19 de julho, em Brasília, documentos reivindicando a readequação do calendário de aulas, o prazo de entrega das dissertações e teses, as datas limites para realização de outras atividades como relatórios e prestações de contas, a duração do pagamento das bolsas e demais prazos definidos pelas agências de fomento às pesquisas proporcionalmente ao período de greve. Além disso, dois documentos reivindicando que o calendário das atividades das pós-graduações se readequem à situação presente foram protocolados junto à CAPES, sendo uma carta oriunda do Comando Nacional de Greve dos docentes (CNG do ANDES-SN) e um ofício advindo da Associação Nacional dos Pós-Graduandos. No dia 7 de agosto, uma manifestação organizada pelo CNG do Andes-SN em frente à Capes conseguiu um primeiro avanço: a agência de fomento recebeu uma comissão de professores e se comprometeu a encaminhar à presidência do órgão a reivindicação sobre a alteração do calendário. No entanto, seguimos sem uma resposta sobre o assunto.
 
A readequação do calendário é, muito mais do que uma questão burocrática, o eixo central da garantia do direito de greve aos pós-graduandos. A postura da Capes, assim, ataca o nosso direito de greve ao ignorar uma mobilização dessa amplitude e seus impactos em todas as esferas da universidade brasileira: pressiona e assedia grevistas com prazos que, obviamente, não poderão ser mantidos no cenário de greve. Reivindicamos, assim, mais uma vez, o respeito ao nosso direito de greve e a readequação do calendário previsto pelas agências de fomento diante da paralisação das atividades de ensino, pesquisa e extensão nas universidades do país.
 
A greve representa um momento de irrupção do tempo em que as categorias estão dispostas a discutir propostas que visam à suspensão imediata do sucateamento estrutural e pedagógico, aprofundado pelos nossos sucessivos governos neoliberais. A pesquisa acadêmico-científica no Brasil agoniza. Não pelo seu conteúdo, mas sim pela forma, pois a organização dos cursos de pós-graduação limita este conteúdo a um tempo e a um espaço pré-estabelecidos. A expansão dos cursos de pós-graduação que o governo PT vem proferindo nos últimos sete anos deixa a desejar para quem defende uma expansão que favoreça a criação livre, densa e sem tempo pré-determinado para seu término. A agonia da pós-graduação concentra-se no curto tempo cada vez mais “socialmente” necessário para se realizar uma pesquisa.
 
A postura de Capes e CNPq desconsidera um movimento inédito no Brasil: os cursos de pós-graduação decretaram um basta no tempo limitado de pesquisa e reivindicam a discussão sobre o significado social de um pós-graduando no Brasil. A nossa reivindicação é por melhores condições de estudo, mais recursos para os programas de pós-graduação, maior tempo para a pesquisa, mais verba para a assistência estudantil, como por exemplo, restaurantes universitários, criação de creches e bibliotecas. As nossas reivindicações que são uma parte das pautas da nossa categoria – estudantes da universidade – tem nos movido para a ação de discutir, organizar, escrever, refletir, analisar dentro do contratempo burguês ou, em outras palavras, analisar dentro do movimento da greve. Tal movimento de greve vem nos definindo como partícipes do principio filosófico-político da universidade, nos reinserindo dentro deste espaço.
 
Não seria possível, nesse sentido, com a adequação de calendário letivo que fizemos por conta da nossa greve, manter os prazos estipulados – a contragosto estudantil – pelos nossos órgãos de fomento: CAPES e CNPQ. A decisão desses órgãos de continuar as atividades letivas impede o movimento da pós-graduação em greve. Os órgãos de fomento devem respeitar as entidades compostas por estudantes da pós-graduação que pararam suas atividades letivas formais, deixar a cargo que cada universidade apresente a proposta de calendário letivo formal prorrogar os prazos de recebimento de bolsas de auxílio à pesquisa, das elaborações preliminares das qualificações de projetos de mestrado e doutorado, além das elaborações “finais” das defesas de mestrado e também de doutorado.
 
 Garantimos, com isso, a subsunção dos indivíduos e das instituições ao princípio filosófico-politico da universidade, asseguramos a articulação entre as três esferas que balizam o sentido social e político deste espaço e damos um salto qualitativo da abstração criativa, necessária para transformar os nossos espaços de luta, as nossas práticas,
 
Comando Estadual de Greve dos Pós-graduandos do Rio de Janeiro.

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